Não sou alguém
dotado de habilidades culinárias extraordinárias, mas nestes últimos dias tenho
me aventurado à beira do fogão. Pra isso, troquei inúmeras receitas com amigos
e colegas de trabalho, e também procurei na internet vídeo-aulas de culinária,
onde as receitas são apresentadas de forma tão clara e simples garantindo, até
mesmo a mim, sucesso absoluto em meus projetos gourmet!
Ao
saborear alguns pratos, percebi que é possível aprender, de fato, a cozinhar!
Mas também refleti como a didática é importante para tal aprendizado, pois não
basta ter a receita em mãos! Ao ouvir as explicações pausadas e detalhadas de
quem já executou a receita, você adquire conhecimentos imprescindíveis para
alcançar seu objetivo! A forma como a receita lhe é exposta faz toda a
diferença pra que você aprenda aquele conteúdo e sua atividade culinária não
seja frustrada.
Sabendo
disso, fiz algumas considerações e gostaria de fazer uma ilustração de como NÃO
ENSINAR e NÃO APRENDER a cozinhar. Vamos imaginar que nos inscrevemos para uma
aula de culinária, com duração de aproximadamente uma hora e quinze minutos, em
que a receita sugerida é a de um bolo de banana com canela.
Ao
chegar ao local do evento, você observa a existência de uma estrutura
especialmente montada para aquela aula. O ambiente é climatizado, uma cozinha
com todos os seus equipamentos e utensílios foi organizada em cima do palco, e
as cadeiras dos participantes do curso foram dispostas ao redor deste espaço.
Antes de conseguir se acomodar, ainda na porta de entrada, você recebe uma guia
com toda a programação, apontando o tema da aula, o tempo de duração e o
professor responsável. Também recebe uma caneta e um caderno de receitas
personalizado, que têm a função de te animar e torna-lo mais receptivo à aula.
Quando você finalmente consegue se sentar, avista de longe o professor que dará
a aula. Observe, ele está vestido a caráter: avental, luvas, chapéu de
cozinheiro, etc. Ele também tem à disposição recursos audiovisuais para auxiliá-lo na
exposição da aula, e como tem pouco tempo para isso, já trouxe um bolo pronto,
para que não haja necessidade de esperar o tempo do bolo no forno. Você
continua muito animado! Parece que tudo irá colaborar pra que você aprenda os
segredos do melhor bolo de banana com canela do mundo!
Com
alguns minutinhos de atraso, o organizador do curso pega o microfone e dá as
boas – vindas aos futuros cozinheiros. Salienta que o auditório está lotado, e
que esta experiência será de grande valor pra todos ali presentes. Neste
momento, ao invés de apresentar o professor e dar-lhe a palavra para iniciar a
aula, o organizador convoca ao palco alguns colaboradores do evento
responsáveis em apresentar a vocês assuntos sobre os quais você precisa ter
conhecimento prévio pra que compreenda melhor o conteúdo que será exposto na
aula. Tudo bem! Você acredita que talvez eles irão dizer algo sobre os
diferentes tipos de banana, e qual a melhor para aquela receita. Ou, quem sabe,
irão indicar uma marca de canela mais suave. Ou, até mesmo, podem tentar
explicar porque o forno necessita ser pré-aquecido a 180º antes de colocarmos o
bolo para assar. Mas você se surpreende quando, de repente, eles começam a
falar sobre como a mãe deles cozinhava bem, ou como a receita de salmão assado
mudou a vida deles, ou qual e quando será o próximo curso. E lá se foram 25
minutos da aula...
Finalmente,
a palavra é dada ao professor e você aguarda ansiosamente, pra absorver todo
aquele conhecimento. A primeira imagem projetada é a de uma casinha no campo. E
ele começa a tão esperada aula:
“ –
Esta aula irá trazer à sua memória, aquelas lembranças de criança visitando os
avós na casa da roça! Quem se lembra daquele bolinho de banana com canela com
um cafezinho da vovó?”
O
que ele fez? Mexeu com seu emocional. Fez você voltar à infância e reviver,
sentir o cheiro do café e o gosto do bolo da vovó! Você se ajeita na cadeira e
pensa: “- Esta aula será maravilhosa!” E ele continua:
“-
Trataremos aqui de uma receita que todos já conhecem, mas hoje vocês aprenderão
segredos importantíssimos no preparo deste bolo, e sairão daqui aptos,
inclusive, a ensinar outros como fazê-lo”. Vamos primeiro aos ingredientes:
- 3 bananas nanicas amassadas
- 4 xícaras de trigo...
Você
tem a receita em mãos, pois está impressa na programação, mas está aguardando
as orientações e os “segredos” prometidos a você para que tenha sucesso no
aprendizado. É quando o professor faz uma pausa, um suspense e abre um
parêntese:
“ –
as xícaras correspondem as xícaras de chá, e não de café. Tenho na minha casa
xícaras brancas, com filetes dourados que uso especialmente para esta receita.
Há pessoas que preferem xícaras estampadas com flores, mas eu não! Flores só
mesmo aquelas que plantei nesta semana no meu jardim! Aquelas sim! São
lindas... na verdade, seriam lindas porque morreram por falta de água. Afinal,
houve falta de água em meu condomínio, pois os moradores não foram conscientes
no uso da água, utilizando a piscina diversas vezes e lavando calçadas com
mangueiras. É um absurdo! Continuando a receitas:”
- 3 ovos
- 1 colher de óleo (se vocês quiserem podem
usar azeite também, pois fica uma receita mais leve. E todos nós temos buscado
receitas leves ultimamente. Porque a obesidade é um problema grave no nosso
país. Tenho uma tia que sofria de obesidade mórbida, e teve muitos problemas de
saúde por causa disto. Na verdade, também tenho uma outra tia que sempre foi
muito magra, e acabou falecendo antes que esta tia obesa. Porque, como diz
aquele ditado...é... como é mesmo? Ah, sim... pra morrer, basta estar vivo!)
O
auditório inteiro gargalha ao ouvir as considerações do professor, e neste
momento, todos já o elogiam por ser tão carismático. Entretanto, você ainda
aguarda ouvir os segredos prometidos por ele no início da aula. E ele segue com
a receita:
- 1 colher de chá de bicarbonato
- 1 punhado de açúcar
- 1 pitada de sal
- 1 colher de sopa cheia de fermento em pó
- Canela a gosto (quando digo canela a gosto,
quero dizer que cada um pode definir a quantidade de canela a ser acrescentada
no bolo. Realmente não cabe a mim, determinar qual a quantidade ideal, pois
cada um tem um paladar. Não posso desrespeitar isso, pois desrespeito é algo
com o que já temos que conviver muito nos dias atuais. As pessoas não respeitam
opiniões, opções religiosas, time de futebol. Falando em futebol, e o Flamengo
ontem, hein?! Pensei que não fosse dar pra virar, mas nos quarenta e cinco do
segundo tempo... conseguimos! Mengão, eô, mengão eô! Quem é flamengo, grita
comigo! Mengão, eô, mengão, eô!)
Quando
você percebe, todos os participantes do curso estão de pé, pulando e gritando o
grito de guerra do Flamengo. Você fica meio confuso, afinal, é uma aula de culinária,
e não um jogo de futebol. Mas, finalmente ele acabou de passar os ingredientes,
e agora partirá para o Modo de Fazer,
que é a parte mais interessante e cheia
de detalhes importantes. Você dispõe sua caneta para fazer anotações, e ajuda a
pedir silêncio aos outros para que a aula continue. Neste momento, o professor
olha no relógio e percebe que 40 minutos já se passaram, e ele precisa adiantar
a aula para cumprir a proposta de 1h e 15 minutos:
“– O
modo de fazer é bem simples! Precisamos misturar todos os ingredientes em uma
vasilha... na ordem em que foram escritos... bem... não necessariamente na
ordem... uns preferem bater a clara em neve primeira, outros começam pelo
trigo. Bem, não há muitas regras para o modo de fazer! Misturamos os
ingredientes, untamos a fôrma e colocamos para assar a 200°. Eu trouxe aqui um
bolo já pronto, e servirei pra vocês com um cafezinho agora ao final. Mas o
mais importante mesmo, é que vocês não desistam de serem bons cozinheiros!
Vocês conseguem! Vocês podem! Vocês são capazes! Quantos de vocês acreditavam
que estariam aqui hoje? Quantos gostariam de estar aqui no lugar de vocês?
Vocês entenderam o recado, agora é só irem pra casa e colocarem em prática tudo
que vocês aprenderam hoje! Cozinhar é uma arte!”
Os
alunos aplaudem o professor de pé! Alguns até limpam as lágrimas após ouvir
tantas palavras de incentivo. Mas você está boquiaberto! Ainda com a caneta na
mão... aguardando aprender algo novo, algo útil, algo que o ajude a cozinhar! O
organizador do curso novamente toma a palavra, e agradece a todos os
participantes pela presença, desejando que todo aquele conteúdo aprendido ali
seja utilizado por todos. Ele ainda lembra a vocês, que na próxima semana,
haverá outro curso com outro professor famoso, mas desta vez o tema será Abobrinha recheada. Vocês não podem perder!
As
pessoas começam a sair do recinto, e você tem que fazer o mesmo! Ainda meio
confuso você ouve o papo de duas delas que vão caminhando à sua frente:
“–
Que aula fantástica! Voltarei na próxima semana, com certeza! O ambiente é
muito bom, o organizador e os colaboradores são ótimos e o professor é
espetacular!”
Você
não compreende muito bem, não suporta se calar, e então pergunta:
“–
Desculpe-me, vocês conseguiram aprender a fazer o bolo de banana com canela?”
Elas
franzem a testa e respondem:
“–
Bolo? Pensamos que a receita de hoje era de abobrinha! Aquela servida em
xícaras floridas nas comemorações da vitória do Flamengo, mas que somente obesos
podem comer, porque os magros coitados, basta estarem vivos pra morrerem!”
Você
dá um sorriso sem graça, despede-se e vai pra casa, procurar em livros de
receita ou na internet, alguma aulinha sobre Bolos de banana com canela.
Reflexão: O ensino bíblico em grande
parte das comunidades cristãs tem se configurado como este curso de culinária.
Inicialmente, grande parte do tempo é gasto com músicas desconexas e de
teologia duvidosa, além de textos bíblicos aleatórios e descontextualizados.
Quando a palavra é passada ao pregador, que muitas vezes tem postura e
indumentária diferenciados, ele lê um texto e começa a fazer considerações que
nada tem haver com os versículos bíblicos. Fala de política, de família, de
moral, de ética, de ditados populares... Só não fala do texto! E para encerrar,
fala algumas frases de auto-ajuda para os cristãos e faz apelo à conversão dos
incrédulos. Ao final, na oração para o término, o irmão designado para esta
tarefa, agradece ao Senhor pela palavra pregada, e pede que ela encontre
terreno fértil nos corações ali presentes.
E os ouvintes, que somos nós, o que fazem? Muitos continuam frequentando
as reuniões por hábito, mas nada sabem sobre o que é ensinado, e mantêm-se
meninos na fé. Outros, poucos, inconformados, procuram em outras fontes, como
livros de autores cristãos e programas de internet algum conteúdo que lhes
preencham essa lacuna. O que fazer diante desta realidade tão triste? Já é hora
de voltar à Palavra!